quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A actualidade económica, social e política

A propósito da actualidade...



O problema de Portugal, para muitos, continua a ser haver demasiados anos obrigatórios de estudo. Para outros, é a estada na UE. Ainda para outros, são as pessoas que não querem trabalhar.


Se Portugal fosse o país com mais literacia, com mais educação, com mais gente a ler, e, simultaneamente, fosse tão pobre como é, tão metido na crise como é, então poder-se-ia dizer que, de facto, o problema era a educação a mais, ou que talvez andássemos a fazer outras coisas em vez das "úteis". Muito bem. Mas o que acontece não é isso. Será então que a solução e terminar com a escola aos 14 ou 15 anos e mandar os miúdos trabalhar?

Bem, a lista dos países mais ricos ou mais desenvolvidos não segue exactamente a lista dos países onde há mais educação ou mais leitura. E este é sempre um argumento usado por aqueles que acham que se deve estudar menos, ler menos e trabalhar mais.

Por mim penso que não é ler um livro que nos torna úteis. Por outro lado, duvido que o humano não seja senão uma espécie de martelo. Mas penso que aquilo que nos afasta da leitura e nos faz ter uma cultura anti-educação é a mesma mentalidade que nos tem afastado do sucesso. Ainda que possa também acontecer que estejamos todos errados quanto ao que significa ser bem sucedido.

Quando uma pessoa muito bem sucedida se suicida as pessoas estranham. Quando uma pessoa teve muitos azares, já não se estranha. Da mesma forma, pode suceder que em 2014 (antes era 2012, depois 2013) Portugal alcance finalmente uma boa situação económica. Com isto toda a gente parece cair na esperança, tal e qual como aquele que supõe que o "sucesso" lhe dará sentido. Mas também estes podem descobrir o contrário.

Portugal pode estar a caminho do sucesso. Não o neguemos. Imaginemos que sim. E pode, precisamente com isso, estar a tratar do seu próprio suicídio.

Esperemos para ver como será essa situação em que se estará economicamente saudável. Esperemos para ver para quem será essa uma situação "vantajosa". Leiam-se as notícias, as tendências da política nacional e internacional. Restrições na saúde, na educação, decadência da imagem do ser humano.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A banalidade do mal - Hannah Arendt

A propósito da banalidade do mal...




Adolf Hitler ou Adolf Eichmann... Qual destas figuras é mais temível?


Tédio, disposição fundamental

Pequeno apontamento sobre o tédio como disposição fundamental...


O tédio é um "assunto" da Medicina e da Psicologia, mas também da Filosofia e da Religião. Isto, só por si, já mostra que não é uma questão de pormenor, nem de época. Pelo contrário, aparentemente, desde que o ser humano decidiu deitar em forma de letra as suas disposições que o tédio e a melancolia estiveram lá. Aparentemente, o tédio e a melancolia tanto atingem o senhor como o escravo, o rico como o pobre, a activo como o inactivo,... Aparentemente, qualquer acontecimento mundano o pode espoletar, e até a simples normalidade pode ser "motivo" de tédio ou de melancolia - ou de angústia. A Filosofia, como se sabe, chama-lhes "disposições fundamentais" - porque aparentemente estão no fundo! Quer dizer, parece que tudo o que se faz se faz para se lhes escapar, sendo que este escapar parece nunca estar adquirido. A Religião chamou-lhe (ao tédio ou à melancolia, não vou aqui discutir traduções e distinções conceptuais que exigiriam rever milhares de anos de tradições de pensamento) "pecado capital" - mas, por motivos que agora não interessa estudar, acabou-se por lhe chamar "preguiça" (que é, de facto, uma determinação do tédio e da melancolia, entre outras, mas obviamente não é o mesmo que essas disposições). Enfim, a Medicina descobriu que, apesar dos medicamentos que podem cortar as ligações electroquímicas do cérebro e inibir, portanto, a causa física, não há nenhum tratamento que garanta a eliminação da disposição. Os estudos mostram que, independentemente dos tratamentos, a melancolia profunda pode levar ao suicídio, quer dizer, mesmo com os medicamentos, a não ser, obviamente, que as doses sejam de tal ordem que impeçam, não só o suicídio, como qualquer outro comportamento... E assim, muitos pensadores - basta fazer uma pequena pesquisa para verificar - pensam e pensaram que o humano está sempre na no tédio, na melancolia, na angústia, simplesmente estas disposições, por serem fundamentais, têm diversos modos de se manifestar. Umas vezes manifestam-se no modo da fuga - mas pode acontecer que aquilo que permitia a fuga colapse e, então...

sábado, 26 de janeiro de 2013

O uso da linguagem

A propósito da linguagem: o uso da linguagem tem um sentido que não é o desocultamento, pelo contrário, a possibilidade de um uso eficaz da linguagem assenta sobre estruturas de esquecimento e de adormecimento. À camada superior destas estruturas chamamos "evidência".


"4.002. O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se pode expressar qualquer sentido sem ter nenhuma noção de como e do que significa cada palavra. – Tal como também se fala sem se saber como é produzido cada um dos sons.
A linguagem corrente é uma parte do organismo humano e não menos complicada que este.
É humanamente impossível extrair imediatamente dela a lógica da linguagem.
A linguagem mascara o pensamento. Isso é de tal forma assim que da forma exterior da roupa não se pode concluir a forma do pensamento mascarado; porque a forma exterior da roupa está constituída, não para dar a conhecer a forma do corpo, mas para fins completamente diferentes.
Os acordos tácitos para a compreensão da linguagem corrente são enormemente complicados."

Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico




Quando julgamos que estamos a ver bem, nessa situação acontece connosco que o apresentado está dado conforme ao esperado. Só isso.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O filósofo hodierno

A propósito da filosofia nos dias de hoje... A filosofia Hoje.


Hoje há um pressuposto que se difunde entre professores de Filosofia. Um pressuposto que eles não aceitariam. Na verdade, um pressuposto contra o qual estariam dispostos a escrever artigos para revistas e até a dar um ou outro colóquio. Mas esse pressuposto é por eles usado quotidianamente, numa base regular de cegueira e conformação.


Qual é esse pressuposto? O pressuposto é o de que só quem tem teses que deseja defender é que tem direito a discutir assuntos. Segundo este pressuposto, quem não tiver um pensamento minimamente "objectivo" deve calar-se. Com isto pretende-se que para se ter o direito de discutir tem que se ter uma opinião fixada. A discussão para eles é duas teses que se opõem. Na verdade só assim compreendem a filosofia: como uma contínua luta entre pessoas que têm as suas ideias fixas e que, na verdade, jamais mudarão de opinião.


Como este pressuposto é algo que raramente trazem à luz da sua própria consciência, ele tem uma vida latente e inconsciente assumindo formas que não poderia assumir logicamente. Por exemplo, os professores de filosofia partem sempre do princípio que o outro com quem discutem deve ter uma tese - ou seja, simplesmente assumem que ele TEM uma tese. Se, por qualquer motivo, parecer que o outro nada defende e aponta deficiências por todo o lado, então imediatamente concluem que o outro tem a tese de que não há teses verdadeiras. Ou seja, para eles o outro tem uma tese, e se não lhe conseguem apontar nenhuma, acusam-no de pensar que nenhuma tese é verdadeira. E depois seguem no seu caminho de ataque, atacando a tese de que não há teses verdadeiras... assumindo, claro está, que o outro tem esta tese. Como não conseguem conceber outra hipótese têm de conceber o outro como uma tese.


Os filósofos de hoje não têm qualquer noção verdadeira do que seja "suspensão indagatória". Concebem a crítica como uma crítica à posição do outro. Os filósofos de hoje não conseguem conceber a crítica senão como um olhar agudo sobre a tese do outro e ficam atarantados sempre que surge alguém que não pretende defender a fixação da sua verdade: começam logo a gritar contra a "ausência" de objectivismo, contra a impossibilidade de chegar a uma verdade... como se o outro, quando se assume realmente na dúvida, estivesse a dizer que SABE que não há nada de verdadeiro... Mas é este pensamento que é, de facto, curioso. Muito curioso.

O filósofo actual é alguém que tem a filosofia como uma espécie de fixação. Não concebe a possibilidade de estar num labirinto. O filósofo hoje é aquele que tem muitas teorias, sabe sempre o que defender em todas as matérias, nunca se sente como um peixe fora de água. A dúvida é qualquer coisa que usa para demolir preconceitos (ou seja, as ideias dos outros), mas que jamais ousa supor que ela é necessária relativamente às determinações da sua própria tese. Não lhe passa pela cabeça - embora passe, de facto, pela língua - que a filosofia deva ser uma suspensão indagatória precisamente no sentido em que se deve manter atenta às suas próprias confusões, aos seus ângulos mortos, às suas zonas escondidas... É que o filósofo hoje já não tem presente a ideia de que ele próprio está implicado naquilo que está a discutir. O filósofo de hoje não consegue conceber um labirinto senão como um labirinto que encontra no jornal. Não consegue conceber que ele possa estar dentro do labirinto. Ora, o carácter fundamental do encontrar-se num labirinto é que, na verdade, aquilo que se vê pode nem sequer parecer imediatamente um labirinto - e quando se percebe que se está num labirinto, não se faz a menor ideia ainda de como isto onde se está se relaciona com a saída do labirinto...

Mas hoje os nossos filósofos são humanos como quem lê a humanidade no jornal. Sabem sempre as curvas que hão-de dar. O labirinto para eles é uma curiosidade, um passatempo, um divertimento. Porque, no essencial, "sabem" que HÁ uma saída, e limitam-se a sorrir condescendentemente e a traçar no jornal o caminho com a caneta especulativa. Contudo, o labirinto que interessa não vem nos jornais.


Mas o filósofo actual é uma criatura de jornal. É um ser do dia, sempre em cima da onda, na crista da onda. Surfa as salas dos hotéis com a mesma facilidade com que debita conteúdos programáticos nas salas de aula. Tanto dá uma conferência num cinco estrelas, como um colóquio numa tenda. O filósofo é um homem de sucesso, que labuta e faz pela vida, que compra a felicidade e ganha a existência em cada palestra, em cada livro vendido, em cada entrevista dada na SIC ou em cada participação no Prós e Contras. O filósofo de hoje é tudo aquilo com que os grandes filósofos nunca se identificaram... porque em todas as épocas houve filósofos de hoje... Filósofos que estão sempre actualizados e sabem ler os antigos ao modo da actualidade. Sabem pôr Platão do seu lado, e até o Ecclesiastes se torna uma sobremesa. Sempre houve filósofos de hoje em todas as épocas, que diziam em cada actualidade o que a actualidade dizia. Que estavam actualizados, adaptados. Porque é a isto que se resume a filosofia de hoje: a estar actualizado, a adpatar-se ao momento, a ter sucesso. O sucesso que Tales desprezou, que Diógenes ironizou, que condenou Sócrates à morte, que, de forma geral, deixou morrer os grandes filósofos no esquecimento do seu próprio tempo... Porque os grandes filósofos nunca foram filósofos de hoje. Mesmo quando discutiam assuntos da sua altura, faziam-no de tal forma que podem passar milhares de anos e ainda recorremos a eles para nos compreendermos melhor a nós mesmos.


Talvez o filósofo de hoje, que julga que "quem não pensa assim ou assado" não deve incomodar ninguém devesse dar menos atenção aos últimos livros que vão saindo e preocupar-se mais com os antigos, quem sabe ler Plutarco, Adversus Colotem, ou com mais atenção a Apologia de Sócrates, e redobrar esforços na compreensão da Metafísica, de Aristóteles... Talvez - e digo isto como mera sugestão, talvez mais como uma nota para mim mesmo que não espera ser colhida por outros - devesse considerar que não é o sucesso momentâneo de uma ideia ou de um modo de pensar que significa consistência filosófica.