quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A filosofia é uma obsessão compulsiva

A propósito do Dia da Filosofia

Filosofia «significa uma obsessão compulsiva».
António Caeiro, ao minuto 03:35


terça-feira, 14 de novembro de 2017

Arbitrariedade e moral

A propósito da arbitrariedade da moralidade externa

Na natureza, o infanticídio é uma prática comum para garantir a sobrevivência de uma espécie.

De facto, há vários estudos sobre o infanticídio nos animais, incluindo mamíferos, mesmo primatas e até entre chimpanzés - os animais que, do ponto de vista genético, mais próximos estão dos homens.

Na verdade, também entre os humanos o infanticídio parece ter sido uma prática comum em tempos idos - do que parecem ser testemunhos alguns mitos que ainda hoje conhecemos.

Certas tribos ainda hoje existentes praticam o infanticídio segundo critérios validados por longas tradições.

Um estudo mais aprofundado permitir-nos-á confirmar que, entre os humanos, os motivos que poderiam determinar a morte de um infante poderiam ser muito variados, nem sempre associados à mal-formação física, a qualquer deficiência ou fraqueza - características que, no mundo animal, parecem andar associadas ao infanticídio, embora nem sempre. 

Para um povo era normal matar os primeiros dois filhos, para outro era regra matar os bebés que tivessem o azar de lhes nascer primeiro os dentes superiores. Enfim, quaisquer que sejam as características físicas que nos definam, provavelmente encontraremos em nós uma que, num ou noutro povo, numa ou noutra época, nos teria condenado à morte simplesmente por termos nascido com ela.

Mas o infanticídio chegou a assumir dimensões de massacre. Algumas civilizações realizavam rituais religiosos que incluíam o sacrifício de milhares de crianças de uma só vez. Nem sempre as crianças sacrificadas eram entregues a este destino por terem perdido alguma guerra, ou por serem consideradas etnicamente inferiores. Por vezes, as vítimas sacrificadas eram, justamente, consideradas melhores e privilegiadas.

Tudo isto sugere que a moralidade externa é intrinsecamente arbitrária.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Um fim e um propósito para o humano

A propósito do fim do humano

Uma das noções mais antigas é a de que cada coisa tem o seu fim, que para cada coisa há uma função que lhe é adequada, que é o melhor para ela, que é aquilo para o qual serve e sem o qual nada vale. Assim, cada coisa vale o que vale em função do fim. Se deixa de cumprir a sua função perde o seu valor, deixa de ter valor. E o ser humano foi naturalmente compreendido da mesma maneira, o que significa que o humano compreendeu-se a si mesmo desde logo como coisa-utensílio: não como algo arbitrário, que tanto pode servir para isto ou para aquilo, mas sim como algo determinado por um fim para o qual foi desenhado, o qual corresponderia ao seu propósito na vida, fixado na origem, na sua essência. O ponto de vista humano alimenta-se, de algum modo, deste essencialismo primário, básico, fundamental, segundo o qual cada coisa tem o seu uso.
Este ponto de vista, natural nos homens, apresenta-se, naturalmente, como natural. Justamente, deste ponto de vista a natureza não é arbitrária, não forja as coisas arbitrariamente, mas destina cada coisa a um uso especial, de modo que cada coisa só tem uma função apropriada para ela. 
É assim que, naturalmente, os homens são concebidos como seres naturalmente gregários, que por natureza não podem passar uns sem os outros, porque foram feitos para se unirem, como o macho e a fêmea foram feitos para a procriação, e a procriação para a perpetuação. A perpetuação não é vista como arbitrária, como casual, como mero jogo de forças anónimas, mas como o fim da procriação, como o fim do acto sexual, como o fim da união entre humanos, como o fim da família, como o fim dos homens, como o fim dos sexos, como o fim do homem e da mulher. É assim que se pensa que foi com o fim da perpetuação, para a conservação dos homens e das mulheres, que a natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro. E foi assim que se pensou e pensa ainda que é também do desígnio da natureza que comande quem, pela sua inteligência ou força, foi feito para comandar, e que obedeça quem não possa contribuir para a perpetuidade e prosperidade comum a não ser pelo trabalho do seu corpo. Esta divisão surge assim como partilha natural e saudável das funções entre senhor e escravo, de acordo com os desígnios da natureza e os fins naturais que coube especialmente a cada um. Deste ponto de vista, a condição da mulher difere naturalmente da condição do homem, tal como a condição do escravo difere naturalmente da condição do senhor, e a condição dos animais difere naturalmente da condição dos homens. Por isso, para a sociedade antiga, era preciso, antes de tudo, a casa, e depois a mulher, o escravo e o boi. Por isso, era preciso, para a sociedade medieval, o senhor e o vassalo, a terra e o servo. Por isso, a mulher foi vista desde sempre como vaso. Mas não foi só a mulher, o pobre, o fraco, o animal que sempre tiveram de arcar com a etiqueta da servidão, de utensílio. Foi o próprio homem, porque o que sempre esteve presente nesta mentalidade foi a noção do humano ter um fim, um propósito e, por isso, os homens teriam de servir para alguma coisa, ou não servir para nada.
Este essencialismo de fundo parece estar entranhado no ponto de vista humano, e pergunta pelo sentido da vida é ainda expressão dele. É por isso mesmo que precisamos de viver por alguma coisa, de ter objectivos, de nos medirmos pelas metas que nos impomos ou que nos impõem, de nos valorizarmos pelas medidas que estabelecemos para nós, ou que o mundo, os outros e a vida se encarregam de estabelecer por nós.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A aporia socrática

A propósito de aporia


«apressar-se para conhecer outras coisas sem se conhecer a si mesmo é risível»
Olimpiodoro

Olimpiodoro sugere que o início da filosofia esteja no conhecer-se a si mesmo, ou melhor, no reconhecimento da aporia em relação a si mesmo. A aporia seria, assim, um estágio. O reconhecimento da própria ignorância trata-se, assim, de um meio que visa um fim, não é um fim em si mesmo. O reconhecimento da ignorância é, para os platónicos, e a começar pelo próprio Platão, uma porta de entrada para o conhecimento, porque é o começo da perseguição, a instalação do sujeito numa situação de "amor" - no sentido particular que o amor sempre tinha para os gregos.

Mas se virmos bem, de Platão em diante, há já sempre algo que não encontramos em Sócrates. Sócrates aponta, precisamente, para a aporia como estabelecimento de algo de novo em relação ao que há antes disso. A ignorância. Convém lembrar que "aporia", em grego, poderia significar caminho de difícil transposição, mas também sem saída. O que está em causa é, precisamente, algo de difícil acesso, mas também algo de onde só muito a custo se poderá sair, e de onde pode não se ter ângulo de visão para qualquer saída.

É discutível que Sócrates considerasse a aporia um estágio, algo como um mero ponto de passagem. Porque é discutível que Sócrates aceitasse que a verdade pode ser aprendida e, por isso, é discutível que aceitasse que pudesse haver, de facto, "conhecimento". Pelo menos, conhecimento no sentido grego do termo: algo que efectivamente se sabe.

Certo é que Sócrates achava que só quem se desse conta da sua própria ignorância poderia, de facto, começar a procurar conhecer - mas daí não se segue que a aporia seja um mero local de passagem: pois, para que o seja, é preciso admitir que é possível conhecer. Não é certo que Sócrates aceitasse que alguma vez se pudesse conhecer alguma coisa.

Pode acontecer que o estado mais próximo do conhecimento em que nos possamos encontrar seja, precisamente, o estado em que estamos em perseguição. E parece ser para qualquer coisa desse tipo que Sócrates aponta - embora, evidentemente, também isso não seja dito por ele, nem o poderia ser, porque para poder afirmar isso teria de presumir saber.

À medida que o homem se desumaniza

A propósito do perigo da Inteligência Artificial


Num tempo em que a Inteligência Artificial se torna, cada vez mais, capaz de replicar os homens, pode acontecer que o maior perigo não seja que a máquina se torne capaz de copiar o humano, mas que o humano se torne uma cópia da máquina.