A propósito de conformismo v/s rebeldia.
Um dos animais mais teimosos que existe deve ser a cabra. Se a puxamos para a frente ela puxa para trás, se a empurramos para trás ela empurra para a frente.
Nisto, a cabra está no extremo oposto da ovelha, o animal mais seguidista que se conhece.
E aqui está. Parecem opostos, a cabra, sempre do contra, e a ovelha, sempre conforme.
Mas as ovelhas, por vezes, formam rebanhos mais pequenos. Estes rebanhos mais pequenos têm a sua autonomia e afastam-se do grande. Às vezes há uma ou outra ovelha que abandona um rebanho e passa a correr para o outro: vai sempre a correr como se não quisesse ser apanhada no hiato, naquele instante em que já não é um dos rebanhos, mas também ainda não é o outro. A ovelha precisa de um rebanho para ser ovelha. Uma ovelha sem rebanho não existe.
As cabras não são nada assim. Quando menos se espera vamos dar com uma cabra tresmalhada nas couves enquanto as outras fazem de conta que está tudo normal. Enquanto vamos buscar a cabra tresmalhada há sempre outra que aproveita para se meter nos nabos enquanto não estávamos a olhar.
Depois há o gato Bonifácio. O gato Bonifácio está-se nas tintas para os outros - sejam gatos ou não. E também não é aconselhável deixar sardinhas em cima da mesa. Contudo, não é propriamente um rebelde, a julgar pelo formato rechonchudo que foi desenvolvendo nas longas sestas à lareira. Mas também ninguém se lembraria de lhe chamar um seguidista. A última coisa de que o gato Bonifácio se lembraria seria de se levantar da sua alcofa para seguir quem quer que seja. Nunca ninguém sabe muito bem o que o Bonifácio está a pensar, mas de certo nenhuma rebeldia lhe atormenta o espírito pachorrento, nem nenhum seguidismo estimula a sua placidez.
Diferente da ovelha, da cabra e do Bonifácio, há a subjectividade humana, a que desde Sócrates se chama pensar por si mesmo. Sócrates achava que o decisivo estava aí, em pensar por si mesmo, mas primeiro era preciso que um sujeito soubesse o que ele mesmo é exactamente. Sócrates estava às avessas de tudo quanto hoje tendemos a pensar. Nós pensamos assim: bem, já que é preciso andar é preciso ir para algum lugar, convém ter um destino, por isso, vou escolher um e, depois, caminho para lá. A coisa parece óbvia. Pensamos o futuro à nossa frente connosco a caminhar para o futuro que está à nossa frente.
Mas os gregos pensavam-se virados para o passado e a caminhar de costas para o futuro. Caminhavam de costas para o futuro, pois, como é evidente, ninguém vê o futuro, por isso é preciso ter um ponto fixo a partir do qual caminhar. É exactamente o oposto de nós.
Para Sócrates era preciso, primeiro, fixar o ponto de partida. E isto nada tem que ver com a dicotomia conformismo v/s rebeldia. Trata-se de ser alguém em concreto, definido. E não uma forma abstracta: uma ovelha que segue alguma coisa, uma cabra que está sempre do contra, ou com os olhos nas couves, um gato Bonifácio que se borrifa para os outros.
domingo, 27 de outubro de 2019
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