sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O mito da criação do humano

A propósito da natureza indeterminada do humano

Depois da guerra contra os Titãs, os deuses olímpicos ficaram condenados a uma pasmaceira de morte, o que era particularmente grave dado que eram imortais. Assim, Zeus pediu a Prometeu e Epimeteu que criassem mortais para os deuses se distraírem. Nada como assistir a um bom espectáculo para passar o tempo.
Epimeteu começou, então, a criar animais. Com terra e água criou imensas formas e variados atributos, desde garras a asas, etc. Para cada animal criou um modelo e atribuiu a cada modelo determinados atributos, colocando cada espécie num lugar específico, fosse no ar, na terra ou no mar.
Estando Epimeteu muito embrenhado nisto e contente da sua arte em combinar formas, atributos e capacidades, chegou Prometeu para ver como se saíra o irmão. Mas ao chegar apercebeu-se que o irmão já distribuíra todos os modelos, todos os atributos e esgotara os lugares do mundo, o ar com as aves, a água com os peixes, a terra com os mamíferos, etc. Contudo, esquecera-se do humano.
Foi assim que o humano acabou lançado no mundo sem um lugar próprio para habitar, sem um modelo específico para viver, sem atributos e sem capacidades naturais. Deste modo, o humano não é nada, e precisamente porque não é nada, precisa de se tornar alguma coisa, de adquirir uma forma para si mesmo, de criar as suas ferramentas, de desenvolver as suas capacidades, de tomar um lugar do mundo para si. Mas, por natureza, o humano não está modelado, e qualquer que seja a configuração que vier a ter, terá de a adquirir em vida. 
Tudo isso porque Epimeteu se distraiu e acabou por dar tudo aos restantes animais deixando o homem entregue à míngua, à escassez, à falta e à inospitalidade do mundo.
O que nos valeu ainda foi a extrema compreensão que Prometeu desde logo demonstrou para com o humano, começando por roubar o fogo para lhe oferecer - episódio que espoletou a saga da civilização.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Há coisas que não me é permitido fazer para me tornar feliz?

A propósito de dever e de felicidade


Ouve-se muitas vezes: "o que interessa é se és feliz com as tuas escolhas."

Nestas circunstâncias pode perguntar-se: ora, é certo que eu quero ser feliz, mas será que por isso me é lícito empregar todos os meios para isso, sejam quais estes forem? Será que, para ser feliz, devo matar? Para ser feliz posso enganar os meus colegas de trabalho para, desse modo, obter uma promoção e singrar na carreira para, assim, ser mais feliz?

Ouvem-se então as mais curiosas declarações do tipo: "um assassino nunca é feliz", ou "quem engana nunca pode ser um bom profissional", ou "quem faz esse tipo de coisas nunca é feliz consigo mesmo".

Podemos, neste caso, chamar a atenção para as estatísticas que mostram que entre os profissionais de topo há tantos psicopatas como nas cadeias, e que os psicopatas tendem a ser os melhores profissionais, embora não tenham qualquer problema em enganar, mentir, etc.

"Ah, mas os psicopatas não são felizes."

E pronto. A coisa pode continuar indefinidamente. As pessoas querem que o mais importante seja a felicidade, mas depois não querem aceitar que seja permitido matar, roubar, etc., para se ser feliz. Então, confrontadas com o dilema, preferem acreditar que quem faz essas coisas não é feliz, esquecendo o essencial da questão: é que quem mata, provavelmente, fá-lo porque acredita que isso contribuirá para a sua felicidade - ou não será que o fez porque procurava ser infeliz? Ora, se fez o que fez em vista à felicidade, então o problema é, precisamente, o de saber se, em vista à felicidade, tudo é permitido, incluindo roubar e matar.
Como se percebe, é absolutamente irrelevante se o sujeito se torna efectivamente feliz ou não. O ponto é apenas saber se me é lícito fazer seja o que for que me pareça ser útil à minha felicidade.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A questão dos meios de prova e acreditação

A propósito do movimento flat Earth


Descontando a parvoíce do movimento «flat Earth», ou «Terra Plana», acho-lhe piada.

Acho-lhe piada porque em 2014 eu escrevia qualquer coisa assim «A (pretensão de) evidência resulta já de um regime de sentido prévio, como se pode confirmar se se tentar convencer alguém de que a Terra é redonda. Quem duvidar realmente disso, dificilmente irá acreditar nos mapas ou nas imagens. Mesmo que se faça uma viagem de circunvalação, não se tem como apresentar o trajecto de uma vez. As evidências só podem ser mobilizadas no contexto de um regime de sentido.»

A ideia é que «provar» que a Terra é redonda a alguém que, efectivamente, duvide disso é extraordinariamente difícil. É difícil porque, se o sujeito em causa duvida que a Terra é redonda, isso significa (se tal dúvida não resulta apenas de uma questão de ignorância) que o sujeito não valoriza os meios de prova que suportam, precisamente, a tese de que a Terra é redonda. Quer dizer, se o sujeito duvida que a Terra é redonda, então, provavelmente, isso significa que não aceita como meio de prova o testemunho dos manuais, das enciclopédias, da televisão, dos jornais, da fotografias, dos relatos de observações dos astronautas, etc. 
Por vezes pensa-se que bastaria pegar no sujeito e pagar-lhe uma volta ao mundo, mas isso é um equívoco. Não seria possível apresentar a «volta ao mundo». Na verdade, se eu vou num avião que dá a volta ao mundo, ou eu acredito que é isso que está a acontecer, ou não há forma empírica de comprovar que é isso que está a acontecer.
O ponto é, precisamente, esse: a prova só é possível num contexto de credibilidade de determinados meios aceites como constituindo «prova». Eu acredito que a Terra é redonda porque aceito determinados meios como suficientes para validarem essa minha crença. Mas não tenho qualquer forma de verificar, por mim mesmo, que a Terra é redonda. A não ser, é claro, que eu próprio possa ir ao espaço confirmá-lo, o que não é viável para toda a gente.
Na verdade, eu não posso aplicar arbitrariamente o princípio da rejeição do argumento de autoridade. Se eu aceito argumentos de autoridade em alguns casos e não noutros, coloca-se a questão de saber quais são os critérios que validam essa aplicação selectiva. Por sua vez, a escolha desses critérios, o facto de eu usar estes e não aqueles, já denuncia um sistema de validação. Quer dizer, se eu aceito o que dizem os professores, os especialistas, os cientistas sobre coisas que eu não poderia confirmar por mim mesmo, mas não aceito o que dizem os xamãs, os feiticeiro e os padres, isso já revela, desde início, um sistema de validação que, evidentemente, tenderá a conformar-se com a visão dita científica do mundo.

Até certo ponto, de um modo ou de outro, a visão que se tem do mundo, o regime de sentido que se habita, o sistema de acreditação que cada um de nós tem em uso, incorpora sempre um elemento de arbitrariedade.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A 01-12-2017


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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Kant e a felicidade



Para Kant, o fim do homem é a moralidade e não a felicidade. A felicidade constitui um fim real para todos os homens, e aquilo que estes por natureza, no início e na maioria das vezes, desejam incondicionalmente, mas não é o fim último da existência humana, ou não é o fim último que os homens devem ter.