A propósito daqueles que são revolucionários enquanto palitam os dentes
Há quem critique Maduro por ser demasiado democrata e pacífico, pedindo mais violência, mais acção da parte do Estado, achando que o melhor seria Maduro começar a "despachar" todos os que se lhe opõem! Acho perfeitamente normal que um sujeito pense assim, mas se o pensa e debita enquanto está sentado no sofá, a palitar os dentes, a gozar das férias, já me parece estranho.
É que um sujeito tem a tendência a ser tão mais revolucionário quanto o possa ser enquanto palita os dentes! Há uma deslocação reflexiva completa: o sujeito vive a sua vida real pacatamente no meio do consumismo, tem o seu ordenado, a sua carreira, uma família, um sofá - e, simultaneamente, pede no facebook que o Maduro estripe os que se opõem à revolução, exige sangue e tece extraordinárias reflexões como só com acção se faz revolução - sendo que o excelente sujeito que, provavelmente, não levantou o cu do sofá o dia inteiro, entende que acção é sinónimo de violência, que só aquele que, pelo menos, matou alguém realmente age.
Até percebo a coisa, mas só acrescentaria uma coisa: que o excelente revolucionário deixe o seu sofá e rume à revolução. Enquanto estiver a palitar os dentes no sofá que se remeta ao silêncio, porque falar e escrever no facebook é apenas uma forma de aliviar a tensão e não fazer nada.
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
O Admirável Mundo Novo que a Eugenia nos reserva
A propósito de eugenia e felicidade
Imagine-se a seguinte sociedade.
Esta sociedade faz uso da tecnologia que lhe permite editar o ADN com facilidade e acuidade.
Assim, todos os indivíduos são editados para nascerem com determinadas inclinações, tendências e propensões.
Esta sociedade gere perfeitamente as suas necessidades, quer a mão-de-obra, quer a de recursos. Assim, tem bem determinadas as suas necessidades.
Antes de nascer cada indivíduo é alocado a uma função, a uma posição, a um local social, conforme as necessidades previamente identificadas.
Antes de nascer cada indivíduo é editado para querer fazer exactamente aquilo a que foi alocado, de tal modo que a função que lhe foi atribuída corresponda à sua maior paixão e àquilo que lhe proporciona realização pessoal.
Isto é assim com qualquer função, mesmo se um indivíduo acumula diversas funções (por exemplo, funcionário de uma repartição e pai de família).
Nesta sociedade, nunca ninguém está insatisfeito com aquilo que lhe caiu no lote, pois foi programado para querer fazer exactamente isso.
Suspenda-se - para efeitos de problematização - a questão de saber se tudo isto seria efectivamente possível do ponto de vista técnico, ou se haveria sempre alguma falha, alguma necessidade a mais. Suponha-se que tudo quanto se disse era de facto cumprido.
Há algum problema com esta sociedade? Qual?
Imagine-se a seguinte sociedade.
Esta sociedade faz uso da tecnologia que lhe permite editar o ADN com facilidade e acuidade.
Assim, todos os indivíduos são editados para nascerem com determinadas inclinações, tendências e propensões.
Esta sociedade gere perfeitamente as suas necessidades, quer a mão-de-obra, quer a de recursos. Assim, tem bem determinadas as suas necessidades.
Antes de nascer cada indivíduo é alocado a uma função, a uma posição, a um local social, conforme as necessidades previamente identificadas.
Antes de nascer cada indivíduo é editado para querer fazer exactamente aquilo a que foi alocado, de tal modo que a função que lhe foi atribuída corresponda à sua maior paixão e àquilo que lhe proporciona realização pessoal.
Isto é assim com qualquer função, mesmo se um indivíduo acumula diversas funções (por exemplo, funcionário de uma repartição e pai de família).
Nesta sociedade, nunca ninguém está insatisfeito com aquilo que lhe caiu no lote, pois foi programado para querer fazer exactamente isso.
Suspenda-se - para efeitos de problematização - a questão de saber se tudo isto seria efectivamente possível do ponto de vista técnico, ou se haveria sempre alguma falha, alguma necessidade a mais. Suponha-se que tudo quanto se disse era de facto cumprido.
Há algum problema com esta sociedade? Qual?
O humano e os três porquinhos
A propósito de casas
O ser humano é assim como os porquinhos da história! Porque aquilo que o humano quer é estar a salvo do lobo. É por isso - só por isso - que o humano quer uma casa solidamente construída sobre fundamentos seguros, com paredes robustas e telhados resistentes.
Mas o ser humano - que precisa sempre de ter uma casa - quer construir a própria casa gastando o mínimo possível, cansando-se ainda menos e, sobretudo, sem se preocupar muito com o assunto, porque se há coisa que o aborrece é preocupar-se. É por isso - e só por isso - que constrói uma barraca de feno.
Conclusão: o porquinho quer estar a salvo do lobo. Mas é uma questão dialéctica perceber até que ponto ele quer de facto uma casa sólida ou uma casa de feno. É certo que ele julga querer uma casa de feno, fácil e cómoda. Mas também é certo que aquilo que ele quer acima de tudo é estar acoitado quando o lobo vier!
O ser humano é assim como os porquinhos da história! Porque aquilo que o humano quer é estar a salvo do lobo. É por isso - só por isso - que o humano quer uma casa solidamente construída sobre fundamentos seguros, com paredes robustas e telhados resistentes.
Mas o ser humano - que precisa sempre de ter uma casa - quer construir a própria casa gastando o mínimo possível, cansando-se ainda menos e, sobretudo, sem se preocupar muito com o assunto, porque se há coisa que o aborrece é preocupar-se. É por isso - e só por isso - que constrói uma barraca de feno.
Conclusão: o porquinho quer estar a salvo do lobo. Mas é uma questão dialéctica perceber até que ponto ele quer de facto uma casa sólida ou uma casa de feno. É certo que ele julga querer uma casa de feno, fácil e cómoda. Mas também é certo que aquilo que ele quer acima de tudo é estar acoitado quando o lobo vier!
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
Senso-comum e bom senso
A propósito da diferença entre senso-comum e bom senso
Há várias definições que se aplicam a estes dois termos, sobretudo, se recorrermos aos filósofos.
Em geral, eu diria que o "senso-comum" se caracteriza pelo recurso a conhecimentos em vigor numa dada comunidade. É uma forma de conhecimento que tem como critério a colectividade e que se caracteriza pela incorporação: é um saber viver que os indivíduos apropriam e que se torna natural neles. Por isso, torna-se espontâneo no homem formado (adulto).
Aparentemente, o "bom senso" não pertence ao âmbito do conhecimento - ao contrário do senso-comum, mas ao âmbito dos sentidos/sentimentos. Ou, mais correctamente, é uma forma de julgar - como o juízo de gosto, ou o juízo moral, parece haver também o bom senso, um modo de sentir a situação, de discernir e julgar particulares. Ter bom senso não é saber algo, mas julgar de determinada maneira. Parece, no entanto, que tem alguma coisa que ver com o senso comum, porque aquilo a que se chama bom senso é, habitualmente, reconhecível como tal quando o juízo de alguém é reconhecido como "razoável", "bom", "adequado" numa determinada situação pelos elementos de um grupo ou colectividade (por isso, aquilo que é bom senso aqui pode não o ser na China, ou na Arábia, como qualquer pessoa que já tenha passado por esses países poderá dizer)... Ou seja, o senso comum parece ser uma espécie de saber adquirido, nomeadamente, um conjunto de normas e de critérios vigentes numa comunidade, enquanto o bom senso parece ser a boa aplicação dessas regras, dessas normas, desses critérios. Por isso o bom senso não pode ser, propriamente, ensinado, pois não há regra para a aplicação de regras. Assim, a mera detenção de senso-comum não habilita, imediatamente, um sujeito a julgar com bom senso - daí que tendamos a distingui-los e, até mesmo, a considerá-los muito diferentes. Mas, no fim de contas, são duas faces da mesma moeda - embora possa acontecer que se tenha uma sem a outra.
Há várias definições que se aplicam a estes dois termos, sobretudo, se recorrermos aos filósofos.
Em geral, eu diria que o "senso-comum" se caracteriza pelo recurso a conhecimentos em vigor numa dada comunidade. É uma forma de conhecimento que tem como critério a colectividade e que se caracteriza pela incorporação: é um saber viver que os indivíduos apropriam e que se torna natural neles. Por isso, torna-se espontâneo no homem formado (adulto).
Aparentemente, o "bom senso" não pertence ao âmbito do conhecimento - ao contrário do senso-comum, mas ao âmbito dos sentidos/sentimentos. Ou, mais correctamente, é uma forma de julgar - como o juízo de gosto, ou o juízo moral, parece haver também o bom senso, um modo de sentir a situação, de discernir e julgar particulares. Ter bom senso não é saber algo, mas julgar de determinada maneira. Parece, no entanto, que tem alguma coisa que ver com o senso comum, porque aquilo a que se chama bom senso é, habitualmente, reconhecível como tal quando o juízo de alguém é reconhecido como "razoável", "bom", "adequado" numa determinada situação pelos elementos de um grupo ou colectividade (por isso, aquilo que é bom senso aqui pode não o ser na China, ou na Arábia, como qualquer pessoa que já tenha passado por esses países poderá dizer)... Ou seja, o senso comum parece ser uma espécie de saber adquirido, nomeadamente, um conjunto de normas e de critérios vigentes numa comunidade, enquanto o bom senso parece ser a boa aplicação dessas regras, dessas normas, desses critérios. Por isso o bom senso não pode ser, propriamente, ensinado, pois não há regra para a aplicação de regras. Assim, a mera detenção de senso-comum não habilita, imediatamente, um sujeito a julgar com bom senso - daí que tendamos a distingui-los e, até mesmo, a considerá-los muito diferentes. Mas, no fim de contas, são duas faces da mesma moeda - embora possa acontecer que se tenha uma sem a outra.
Do conflito entre a discriminação positiva e meritocracia
A propósito de justiça e educação
Parece-me que o critério do historial do aluno, nomeadamente, das suas notas, deve ser progressivamente dominante na atribuição de vantagens ou determinação de preferências. Isto porque o sistema de ensino deve incentivar os bons alunos e que os alunos se tornem bons alunos. A igualdade no acesso não deve ser confundida com a desvalorização do esforço dos alunos. É só perfeitamente natural que os alunos que mais se esforçam sejam recompensados; tal como é natural que aqueles que têm menos capacidades sejam ajudados a suprir essas dificuldades. As duas dimensões têm de ser consideradas para evitar desequilíbrios que jamais poderão conduzir à justiça.
Mas acho extraordinário que se ache normal que um encarregado de educação displicente e um aluno absolutamente indiferente aos estudos fiquem chocados com o facto de o bom desempenho ser um factor a ter em conta... Já agora, convém relembrar que a escolaridade também serve para preparar os alunos para um dia se integrarem no sistema em que terão de apresentar resultados e mostrar competência, e onde eles mesmos vão querer ser avaliados pelas suas competências e pelos resultados do seu esforço - pois, como eles próprios irão verificar, sempre que o seu esforço não for reconhecido, sempre que trabalharem para apresentar resultados e, depois, alguém seja preferido por ter nascido assim ou assado, sentir-se-ão altamente injustiçados. Ora, se as pessoas sempre querem ver os seus esforços recompensados, por que razão têm tanta dificuldade em aceitar que sejam prejudicados por não terem resultados a apresentar? Se o sujeito que se esforça, trabalha, estuda e tem boas notas deve ser recompensado, isso tem de implicar sempre uma vantagem. E se a ausência de resultados não releva realmente de falta de esforço, mas de menores capacidades, então o Estado também tem de oferecer recursos para suprir essas dificuldades e, no limite, recorrer à discriminação positiva: mas note-se, só e apenas se a ausência de resultados se dever, de facto, a um deficit de capacidades ou a incapacidades reconhecíveis, e não ao mero "deixa andar que a escola também não serve para nada" que tantas vezes já ouvi - que estou farto de ouvir - e que não deve, de modo algum, ser incentivado.
Parece-me que o critério do historial do aluno, nomeadamente, das suas notas, deve ser progressivamente dominante na atribuição de vantagens ou determinação de preferências. Isto porque o sistema de ensino deve incentivar os bons alunos e que os alunos se tornem bons alunos. A igualdade no acesso não deve ser confundida com a desvalorização do esforço dos alunos. É só perfeitamente natural que os alunos que mais se esforçam sejam recompensados; tal como é natural que aqueles que têm menos capacidades sejam ajudados a suprir essas dificuldades. As duas dimensões têm de ser consideradas para evitar desequilíbrios que jamais poderão conduzir à justiça.
Mas acho extraordinário que se ache normal que um encarregado de educação displicente e um aluno absolutamente indiferente aos estudos fiquem chocados com o facto de o bom desempenho ser um factor a ter em conta... Já agora, convém relembrar que a escolaridade também serve para preparar os alunos para um dia se integrarem no sistema em que terão de apresentar resultados e mostrar competência, e onde eles mesmos vão querer ser avaliados pelas suas competências e pelos resultados do seu esforço - pois, como eles próprios irão verificar, sempre que o seu esforço não for reconhecido, sempre que trabalharem para apresentar resultados e, depois, alguém seja preferido por ter nascido assim ou assado, sentir-se-ão altamente injustiçados. Ora, se as pessoas sempre querem ver os seus esforços recompensados, por que razão têm tanta dificuldade em aceitar que sejam prejudicados por não terem resultados a apresentar? Se o sujeito que se esforça, trabalha, estuda e tem boas notas deve ser recompensado, isso tem de implicar sempre uma vantagem. E se a ausência de resultados não releva realmente de falta de esforço, mas de menores capacidades, então o Estado também tem de oferecer recursos para suprir essas dificuldades e, no limite, recorrer à discriminação positiva: mas note-se, só e apenas se a ausência de resultados se dever, de facto, a um deficit de capacidades ou a incapacidades reconhecíveis, e não ao mero "deixa andar que a escola também não serve para nada" que tantas vezes já ouvi - que estou farto de ouvir - e que não deve, de modo algum, ser incentivado.
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