domingo, 9 de junho de 2019

Amor de mãe e outras estórias

A propósito da Roda dos Enjeitados


A Roda dos Expostos era um mecanismo de adopção popular na Europa a partir do século XIII. Tratava-se de um mecanismo cilíndrico que permitia que as mães deixassem os bebés lá dentro sem serem vistas por quem os recebia ao fazer rodar o cilindro. Quer dizer, o mecanismo permitia que as mães abandonassem os filhos sem que fossem vistas por quem recebia os bebés.
Aparentemente, a Roda foi introduzida devido às taxas altíssimas de bebés que eram deliberadamente mortos pelas próprias mães. Ao aperceber-se do enorme número de bebés encontrados afogados no Rio Tibre, o Papa Inocêncio III ordenou a instalação do dispositivo na tentativa de que as mães nele depositassem os bebés em vez de os matarem.
Por consequência, as autoridades estavam proibidas de investigarem quem abandonara os bebés, para evitar que as mães, com receio de serem descobertas, continuassem a prática de os matar.
Em complemento ao dispositivo, havia depois uma pequena ajuda a quem recolhesse bebés para cuidar deles ou para os adoptar. Uma ajuda mais substancial, ou um processo mais agilizado, poderia ser concedida às amas de leite.
Desta forma, algumas mães começaram a fazer batotice. De facto, algumas descobriram que podiam depositar o seu recém-nascido na Roda e, depois, recolher outro para, deste modo, receberem a ajuda concedida. Ou seja, a mãe abandonava o seu filho e depois recolhia um bebé que não era seu filho biológico e para receber um rendimento em troca de lhe dar leite do seu peito.
Apesar do dispositivo ter reduzido as mortes por parte das mães, a verdade é que, ao longo dos muitos séculos, nunca foi capaz de reduzir de modo realmente significativo a mortalidade infantil. Os bebés não eram mortos pelas mães, mas passaram a ser mortos por aquelas que os iam buscar. Uma prática comum era ir buscar um bebé para receber a ajuda em causa e, depois, matá-lo para poder ir recolher outro.
De resto, a verdade é que os infanticídios cometidos por mães continuaram a ser muitos. Numa época em que as mulheres só eram maiores de idade depois dos 25 anos, e que os neo-natos não eram considerados humanos, o crime de infanticídio foi sempre levemente penalizado. Mais tarde, já no Iluminismo, até passou a ter atenuantes.
A Roda conseguia que as mães não matassem tanto, mas ainda matavam muitos; e, normalmente, metade daqueles que eram entregues à Roda morriam na própria instituição. A grande maioria dos que chegavam a ser recolhidos também não duravam muito. E isto pode ser confirmado ao longo de séculos, pelo menos, do século XIII ao XIX.

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