terça-feira, 28 de outubro de 2014

A consciência de si e o desespero inconsciente, segundo Kierkegaard

A propósito de consciência de si, contradição, decisão, desespero, idealidade, imediato, interioridade, Kierkegaard, síntese


A CONSCIÊNCIA DE SI E O DESESPERO INCONSCIENTE, SEGUNDO KIERKEGAARD


A tradição cartesiana identificou um conjunto de condições para que se possa dizer que um sujeito está consciente de si. Simultaneamente, procurou a consciência de si num acompanhamento de si ao modo do pensamento. Ora, do ponto de vista de Kierkegaard, os requisitos cartesianos da consciência de si não são cumpridos na concepção de consciência da própria tradição cartesiana. É precisamente isso que se evidencia com a noção de desespero inconsciente. Neste estudo, procura-se determinar em que condições é possível falar de estar consciente de si, segundo Kierkegaard, o que conduzirá a uma multiplicidade paradoxal. Para se compreender o que está em causa estudar-se-á a estrutura sintética e heterogénea do humano. Em última análise, os requisitos da constituição da consciência de si, porque o são do si, só se cumprem numa certa forma de desconhecimento de si que corresponde a uma forma de consciência de si em que nunca se está certo e seguro de si, mas que passa pela decisão na interioridade.


SELF-CONSCIOUSNESS AND THE UNCONSCIOUS DESPAIR, ACCORDING TO KIERKEGAARD


The Cartesian tradition identified a set of requirements for self-consciousness. At the same time, it sought the self-consciousness in the self-monitoring mode of thought. So, according to Kierkegaard’s point of view, the Cartesian requirements of self-consciousness are not accomplished in the conception of consciousness of the Cartesian tradition itself. That is precisely what is shown with the notion of unconscious despair. In this study, it sought to determine under which conditions it is possible to speak about being self-conscious, according to Kierkegaard, which will lead to a paradoxical multiplicity.To understand what it is at stake we will study the heterogeneous and synthetic structure of the human. Ultimately, the requirements for the constitution of self-consciousness, because they are of the self, only meet in a certain form of lack of knowledge of the self that matches a certain form of self-consciousness in which one is never certain and sure of himself, but which passes through the decision in inwardness.


Dissertação de Mestrado de Luís Filipe Fernandes Mendes com orientação do Prof. Nuno Ferro.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Suicídio, sentido, racionalidade e consumismo

A propósito do aumento de suicídios de jovens em Portugal...*

Os casos de suicídio não parecem poder ser reduzidos a um tipo único. Muitas pessoas se suicidarão porque consideram que a vida não merece ser vivida - e este é um problema filosófico. Outras fazem-se matar por aquilo que dá sentido às suas vidas. Há o suicídio de Sócrates, e o de Jesus. Há o suicídio por efeito Werther (por imitação). Há o do código de honra bushido, seppuku. Há o dos empresários que ficam sem nada e se matam, e o dos empresários que têm tudo o que se pode comprar e se matam. Há os suicídios que tendem a aumentar em países desenvolvidos, e há os suicídios que aparecem em tempos de crise económica. Há os suicídios que estão associados a patologias como a melancolia ou a depressão (clinicamente definidas), e há os suicídios de sujeitos que parecem os mais felizes do mundo! Nunca me hei-de esquecer de um colega meu do 3º ciclo. Era um sujeito animado, que jogada futebol de forma fantástica, tinha boas notas e vivia mesmo em frente à escola! Fomos numa visita de estudo já não faço a mínima ideia a onde. Durante o dia inteiro ele foi como sempre foi, divertiu-se, fez-nos rir, riu, atirou-se às raparigas. No dia seguinte ficámos a saber que ele se enforcara!

Hoje, o suicídio já não é visto como pecado. A medicina e a ciência substituiu a religião. O suicídio não é, geralmente, considerado um acto racional, autónomo, livre, tradutor da vontade do sujeito, mas antes um sintoma (de depressão, solidão, etc.), uma desordem electroquímica, etc. De facto, nós impediríamos o suicídio, a polícia e os bombeiros desarmariam ou tentariam preservar a vida do suicida, os médicos usam expedientes para lhes conservar a vida - e na imensa maioria dos casos estes procedimentos estarão correctos pois a liberdade do suicida estava, provavelmente, comprometida. O médico não poderá ser acusado de atentar contra a autonomia do suicida quando o salva.

Mas se, como João Barreto conclui, cerca de 95% dos suicídios ocorrem em sujeitos com "perturbações", não se pode esquecer os 5% que se podem integrar no grupo da freitod ou do suicídio racional. Evidentemente, as decisões - todas elas - nunca estão isentas de motivações subjectivas, de "paixões" e, nesse sentido, nunca deixam de ser "patológicas". Mas isso é assim, justamente, com todas as decisões.

Talvez o aumento dos suicídios esteja associado às mesmas condições que levam tantos jovens europeus a rumarem ao Estado Islâmico... Evidentemente, cada caso será um caso, e haverá muitas razões distintas para cada um, mas o suicídio parece-me andar associado ao problema de haver uma razão para viver - e este problema não parece poder ser reduzido a um suposto "reconhecimento" de que a vida está aí para ser vivida, justamente porque para o potencial suicida é isso mesmo que está em causa. E a Europa parece ter-se tornado perita num modo de vida cada vez mais despido, sem alma e, afinal, sem sentido - e, como é óbvio, pode sempre acontecer que as ilusões que ocultam esta falta, esta ausência e esta agonia se desvaneçam pondo a descoberto o desespero! A nossa sociedade consumista e capitalista parece ser extremamente eloquente neste aspecto. Não tanto que o problema consista no facto de vivermos cada vez mais envoltos em ilusões, mas na circunstância de as nossas ilusões serem cada vez mais frágeis!!!

*Ver notícia: http://www.sol.pt/noticia/116056
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