Por vezes tem-se o pressuposto de que o mal moral se segue apenas de se evitar o reconhecimento do outro como outro.
Este tipo de mal é subjectivamente vivido como amoral, pois o sujeito não o reconhece como mal, mas simplesmente como algo "que tem de ser feito", reflexo da lógica da vida, como se o próprio sujeito da intenção estivesse reduzido à condição de mero instrumento. Neste mal negativo não é apenas o outro que é previamente despido da sua condição de "outro": é o próprio agente do mal que se despede da tarefa de agente moral.
Mas é ingénuo pensar que o mal moral tem apenas esta forma negativa. Aliás, como se disse, este mal negativo é, na verdade, amoral: trata-se de uma forma de demissão do sujeito moral, de uma forma de indiferença. O mal moral em sentido próprio, pelo contrário, consiste no oposto disto. No mal moral positivo não se evita a consciência: esta é, precisamente, a autoridade que é explicitamente confrontada. Neste tipo de mal, o outro é aquele que eu quero maltratar - aquele que odeio, que suscita sentimentos agressivos. Aqui o outro não é apenas fonte de aversão e repugnância, algo que se evita olhar e tratar como "um outro". Pelo contrário, aqui o outro, mais do que repugnar, suscita violência, desejo de vingança, vontade de espezinhar.
São todos ingénuos os autores moralistas que supõe que a face do outro é aquilo que evita que eu o agrida. São ingénuos aqueles que julgam que a agressão ao outro só surge porque evito considerá-lo como "outro".
(E é também ingénuo julgar que se tomo o outro como "um outro eu" não vou querer maltratá-lo. Pelo contrário, que o outro seja reconhecido, precisamente, como "outro eu" pode ser ocasião de descarregar todo o meu desejo de vingança. Não é isso que se põe a claro em romances tipo "Homem Duplicado"? Porque é ingénuo pensar que cada um se ama placidamente a si mesmo de forma tão pura que ao projectar no outro um outro eu vai sempre amá-lo também. A psicologia sabe há muito tempo que não é assim: quantos desejos de se agredir a si mesmo o eu não precisa de suprimir para sobreviver? E quanto não descomprime poder aliviar no "outro eu" os desejos de agressão que habitualmente se suprime em relação a si mesmo?)
(E é também ingénuo julgar que se tomo o outro como "um outro eu" não vou querer maltratá-lo. Pelo contrário, que o outro seja reconhecido, precisamente, como "outro eu" pode ser ocasião de descarregar todo o meu desejo de vingança. Não é isso que se põe a claro em romances tipo "Homem Duplicado"? Porque é ingénuo pensar que cada um se ama placidamente a si mesmo de forma tão pura que ao projectar no outro um outro eu vai sempre amá-lo também. A psicologia sabe há muito tempo que não é assim: quantos desejos de se agredir a si mesmo o eu não precisa de suprimir para sobreviver? E quanto não descomprime poder aliviar no "outro eu" os desejos de agressão que habitualmente se suprime em relação a si mesmo?)
Se a experiência do outro pode suscitar - como defendem alguns, e bem - o amor, na verdade pode suscitá-lo não mais, não menos quanto pode suscitar o ódio.